terça-feira, 26 de agosto de 2008

Inspiracâo

Toninho Buda e o original autor do livro Manual do Vampirismo, publicado sob autoria de Paulo Coelho. Aqui esta um texto interessante escrito por ele na noite em que se preparava para comecar a escrever o livro.
Bom proveito!

Na Lua Cheia de Janeiro de 1986

O suor ainda me escorre pelo rosto e tenho a me envolver o cheiro morno e gostoso que me sobe das axilas. Acabo de correr durante uma hora pelas estradas de chão, no meio do mato iluminado pela lua cheia, num céu límpido e povoado de estrelas. Estou num sítio, perto de um vilarejo na região de Juiz de Fora, MG.

Quando me preparava para correr, encontrei dois velhinhos à beira da estrada e um deles me perguntou até onde eu iria correndo. “Até no asfalto”, respondi. Então ele comentou “São mais de 5 quilômetros. Não faço um sacrifício desses nem que me paguem 10 milhões”. Ao que o outro contrapôs, mais otimista? “Pois eu daria 10 milhões para agüentar correr esse pedaço de chão”.

Depois dessa conversa, eu saí correndo e ainda encontrei o Claír, que sempre grita quando me vê “Hê, lá vai, hein, grilo! Tô gostando de vê o aperparo”. “Grilo é a sua mãe!”, eu ainda penso, antes de mergulhar na solidão do cenário fantástico e azulado da estrada prateada pela lua e se perdendo na escuridão. Hoje é Sexta feira, dia 24 de janeiro de 1986.

Eu vim para cá em busca do clima para falar de vampiros, a pedido do meu amigo Paulo Coelho. Enquanto penso no assunto, vou fungando como uma locomotiva o ar já fresquinho da noite, até que depois de uma curva dou de cara com o disco brilhante no horizonte e um arrepio me percorre o corpo todo. Vampiro! E neste exato momento, escuto o arranhar ainda mais arrepiante das garras de um cachorro nervoso no chão seco e duro do leito da estrada, ao arrancar velozmente em direção aos meus calcanhares, rosnando e latindo.

Como os cães ficam excitados nas noites de lua cheia de verão! Levo um susto e experimento um clima de empatia com a fera e começo a ladrar também, avançando para cima daquela massa negra e nervosa, que se apavora e corre. Minha satisfação em latir é muito grande. Me toma. E eu uivo pela estrada afora. Uivo para a lua. Sozinho, correndo, animal na noite escura, suando e gemendo. Estou vivo. E esta plena consciência diante da lua me faz buscar subitamente o lado do poente, onde tudo é escuridão e alguns relâmpagos longínquos prenunciam uma tempestade para daqui a algumas horas.

Então me bate uma certeza: eu também não quero morrer! Eu também quereria podr continuar correndo e uivando como um cão, lobo ou cavalo. Mas daqui a alguns dias, é provável que eu também diga “daria 10 milhões para agüentar correr”. Lembra dos dois velhinhos? O segundo velhinho é mais vampiro. Vampiro é otimista. No entanto, é preciso encarar mais este espelho. Só que este espelho é negro. Mas daqui a três noites, neste plenilúnio de janeiro, tudo estará consumado.


Toninho Buda
(Flamínio de Luna)

Para conhecer mais sobre o autor va ao seu site:
http://www.toninhobuda.com/

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